quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Circo Particular


Eu trabalho num circo. Sou o homem que abre e fecha as cortinas. Não se tem muito o que fazer quando se é um movedor de cortinas, a não ser puxar uma cordinha e depois soltá-la toda vez que uma cena começa ou termina. Parece não ser divertido o que eu faço, mas pra mim é um grande mistério. Eu poderia viver de outros rendimentos porque sei carpintaria, mas prefiro ficar aqui observando tudo o que vejo. Conheço cada um dos personagens, tenho até decorado a fala deles de tantas vezes que já assisti ao espetáculo. Estranho é saber que aqui existem apenas interpretações. Quando as luzes se apagam, por trás da cortina percebo que o espetáculo acaba de começar. Cada personagem volta a seu normal. É assim todas as noites. O domador abre um sorriso infantil ao se conciliar com Golias, o leão. O equilibrista magrelo se embriaga com os últimos goles de vodka e o palhaço, já com a maquiagem desbotada, se preocupa com as contas do mês e acende um cigarro olhando pro céu.

Essa magia da noite circense é o meu mundo, a magia que poucos conhecem. O barulho das risadas foi substituído pelo canto dos grilos intercalado ao som metálico da estrutura do palco sendo desmontada. Não se vê flashes e o pipoqueiro se despede contando o que deu pra arrecadar na noite. As maçãs-do-amor que sobraram perdem o brilho no escuro. Atrás dessa cortina vejo o mundo tomando as formas de um anjo negro ao cair da madrugada. As últimas luzes se apagam, deixando na completa escuridão o circo dentro de cada um de nós. Quando eu fecho as cortinas, o espetáculo maior começa, ao som das palmas daqueles que pensam ter assistido a ele.

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